Mudança

A expectativa de mudança é um sentimento tão antigo quanto a própria humanidade, e pela sua observação, podemos mensurar o indivíduo e a sociedade. Mas na vida de caminhos que cada um escolhe, ou fazem escolher, há sempre cruzamentos e atalhos, e perante eles, sempre ansiamos a mudança, principalmente a alheia, a dos outros, que o nosso caminho, ainda que o reconheçamos sinuoso, é sempre mais difícil de mudar. E numa experiência de caminhos cruzados, que o Homem é um ser gregário por definição, as relações humanas tomam um papel central e fundamental mas de difícil gestão, pelo que a expectativa de mudança do outro é um constante desejo. E acreditamos nela, pelo que a desilusão é, normalmente, o sentimento resultante.

Flor de Pedra

O amor é um sentimento largo, que comporta o perdão e por vezes, talvez demasiadas vezes, transforma pedras em flores de pedra. Mas apesar da sua beleza, esta matéria inanimada e inerte não vingará, não se altera e fica sujeita à erosão dos elementos e do tempo. Medusa vencerá, e mesmo quando aparentemente é derrotada por um perdão trilhado entre os tortuosos caminhos dos sentimentos, deixa cravados os seus venenosos desencantos, até que a mão do tempo lhe dê outra forma.

Rumo

A sabedoria não é apenas o ter as respostas, é, principalmente, procurá-las e compreende-las. Mas ao Homem, ser de crónicas ilusões, não basta a reflexão e a verdade: sonha o impossível, anseia o improvável, e age conforme o medo.

A caixa

Ao olhar-se atenta ao espelho “o lenço rosa, de seda”, pensou, objecto esquecido pelo tempo, sonhou-o na noite anterior a esvoaçar entre grinaldas de flores campestres. “Onde estará?”, peça guardada há tantos anos quanto a imagem já esquecida da sua doadora – ignóbil tempo de pó e memórias. “Quem?”
Subiu ao sótão ligeira, “A caixa!”, lembrou-se enquanto saltava os degraus, procurou-a com prazer e encontrou-a com alegria, uma caixa de cartão e flores – rústica – oferta da mãe quando fez doze anos, tempo apressado. Abriu-a com delicadeza, o pó ligeiro brilhava ao sol oblíquo, abriu a caixa – caixa de Pandora? Objectos esquecidos ou guardados na memória ou arrumados longe dos sentimentos agregados. Pandora? Os olhos de medo? Uma fotografia, em primeiro plano uma praia dourada, recorda-se qual, a qual teimou esquecer, e a sorrir, quem sempre recusou recordar. A caixa, de flores azuis e fundo rosáceo, lembranças e tremores, alegrias e paixões e desamores – Pandora olha-a? Pousou a caixa no chão, com delicadeza ou tremor, e desceu as escadas expectantes com indecisas passadas. A caixa, no chão e desarrumada, tampa voltada para cima a um canto, o conteúdo, umas fotografias debotadas e desarrumadas – o reflexo de desorganizadas sensações e emoções? O silêncio da casa, o melódico entardecer dos besouros – Pandora sussurra? Ainda o suave aroma em suspenso do perfume doce, e já a porta batia na saída. Esquecido o lenço – Pandora esquecida na caixa?
O trânsito distrai e o pensamento divaga, a Margarida aniversariante, a amiga desde os treze anos, precisão: dois dias depois do seu aniversário, quando choveu a única vez naquele mês de Verão. A Margarida aniversariante espera-a e olha-a e alegram-se, cumprimentos efusivos e da ocasião. A mesa corrida rodeada de convivas em alegre algazarra, a Margarida e o namorado e os amigos regulares e a prima, desconhecida até então, com o namorado aloirado e de costas e distraído. Circunda a mesa e senta-se defronte o aloirado que agora a olha atento – Pandora traiu-a? Ele olha-a, atento ou apenas curioso? A fotografia da caixa, animada – e a praia, onde está? Falta-lhe a areia, qualquer chão, qualquer segurança de si. O batom uma mordaça invisível, lavabos ao fundo, os membros inferiores preguiçosos e imóveis e fracos – Pandora prende-os? Fugir de quê? Pensar sem sentir, é possível? Separar a atenção do coração descompassado, pêndulo cheio de inércia ansiosa. Pandora, para onde me levas? Devolve-me à terra, que este silêncio aguçado alfineta-me as entranhas, a imobilidade e o silêncio – a penitência do medo?
(…)